Redução de carga horária para servidores públicos que tenham filhos com deficiência
10 de abril de 2016Maconha, Sociedade & Saúde
26 de abril de 2018Por pressão da bancada fundamentalista no Congresso Nacional, a discussão sobre o uso medicinal do CBD e do THC, principal substância encontrada na maconha, está paralisada, causando prejuízos inestimáveis à saúde de milhões de brasileiros e aos cofres públicos. O uso medicinal das substâncias – que não guarda qualquer relação com o “uso recreativo” – é uma fronteira da medicina que desafia o poder de laboratórios, que preferem a utilização de produtos muito mais caros e dispendiosos à população.
Apesar da pressão contrária ao uso medicinal de substâncias presentes na maconha, muitas pessoas acometidas de doenças graves estão recebendo a prescrição da utilização de substâncias derivadas do Canabidiol e de THC, esta última proscrita em território nacional, por estar inscrita na Portaria 344/98 da Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. A ANVISA, analisando caso a caso, tem concedido autorização para que substâncias extraídas da maconha sejam importadas.
O Sistema Único de Saúde, em diversas ocasiões, já foi compelido a fornecer a medicação.
O ponto a ser analisado, neste texto, diz respeito ao dever de os Planos de Saúde arcarem com os custos da importação de substâncias derivadas do Canabidiol e do THC, presentes na maconha. O custo do tratamento é alto e impossível de ser custeado pela maioria dos pacientes. A importação de Canabidiol alcança o valor de U$ 1.035,00 (um mil e trinta e cinco dólares americanos) por mês de tratamento.
Neste descortínio, o Tribunal de Justiça de São Paulo, recentemente, em Ação de Obrigação de Fazer, deliberou, sob pena de multa diária, que o Plano de Saúde fornecesse o medicamento Canabidiol à Autora, portadora de epilepsia de difícil controle, com risco de sua morte, diante da sua negativa fundada na alegação de que o medicamento não tinha registro na ANVISA, pois, estava devidamente prescrito pelo médico da Autora[1].
Na leitura do inteiro teor do julgado é possível extrair que a ANVISA reclassificou o Canabidiol como medicamento de uso controlado, e não mais como substância proibida, ou seja, reconheceu o potencial da substância em diminuir a frequência de crises convulsivas entre pacientes de doenças neurológicas graves que não respondem ao tratamento convencional. Soma-se que o registro do medicamento ainda não foi efetuado no Brasil devido à necessidade de observância de processo administrativo, o que não obsta a sua importação, quando já reconhecida sua eficácia terapêutica pelo órgão regulador.
E analisando a jurisprudência da Corte Paulista, local em que situado o centro de medicina mais avançado do Brasil, se percebe que a discussão tem se voltado em favor do paciente/usuários dos planos de saúde.
Sendo a função social do contrato a preservação da vida e da saúde, vigorando o princípio da boa-fé objetiva, é claro que a intenção do consumidor é estar protegido no momento em que estiver com sua saúde fragilizada. E é essa a promessa também que a seguradora faz no momento da contratação. Assim, é cediço que o seguro deve abarcar tratamentos mais modernos à medida que vão surgindo, sob pena de sancionar o cliente que, desde jovem, contrata um plano de saúde e cumpre pontualmente com todas as obrigações de pagamento, mas se vê desprotegido num momento futuro.
Nesse sentido, a referida Corte, em Ação de Obrigação de Fazer, quando provada a relação contratual com Plano de Saúde e a indicação médica para tratamento com Canabidiol, determinou arcasse o Plano com os custos da importação.[2].
Importante, ainda, em antecipação à eventual tese defensiva do Plano de Saúde, destacar que o fato de a medicação ser utilizada em ambiente domiciliar não é empecilho à pretensão de que arque com os custos do tratamento.
Ora, não faz o menor sentido o contrato garantir a cobertura de tratamentos necessários para o restabelecimento da saúde dos beneficiários e, ao mesmo tempo, negar o fornecimento do medicamento prescrito por profissional habilitado, que certamente analisou o caso da paciente e decidiu pelas medicações mais adequadas. Deve-se entender que a medicação prescrita é imprescindível para a recuperação da saúde do segurado e tem por escopo evitar o agravamento da doença.
Não adiante, ainda, o Plano de Saúde invocar a Resolução 338 da Agência Nacional de Saúde, pois, uma simples Resolução não pode se sobrepor à Lei 9.656/98, que é de natureza cogente. Ademais, é defeso negar o fornecimento de medicamento, apenas sob o argumento de se tratar de droga de uso domiciliar ou de caráter experimental. Entendimento contrário implicaria negar a própria finalidade do contrato, que é assegurar a vida e a saúde do paciente.
Para o STJ, é dizer a negativa de cobertura dos medicamentos, quando prescritos pelo médico responsável pelo tratamento do beneficiário, ainda que ministrado em ambiente domiciliar, restringe direito inerente à natureza do contrato, nos termos do art. 51, § 1o, inc. II, do Código de Defesa do Consumidor[3].
É a orientação que também se colhe no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, conforme se vê no precedente da lavra do eminente Desembargador James Eduardo Oliveira quando entende que, por se tratar de direito do consumidor, se o contrato contempla a cobertura da doença que acomete o paciente, não pode prevalecer a exclusão do fornecimento da medicação para o tratamento domiciliar prescrito, sob pena de esvaziamento do próprio objeto do Plano de Saúde[4].
No TJDFT, no mesmo sentido é a decisão da lavra do Desembargador João Egmont que, considerando que os laudos apresentados eram uníssonos na prescrição dos medicamentos, e que o contrato firmado com o Plano de Saúde previa a cobertura de medicamentos registrados/regularizados na ANVISA, há obrigação contratual de proceder à cobertura do tratamento médico pleiteado, seja fornecendo medicamentos registrados/regularizados na ANVISA, prescritos pelos médicos, seja procedendo a toda cobertura do tratamento ambulatorial.
Assim, cabe ao médico assistente prescrever o tratamento mais adequado ao paciente, à luz de suas condições e peculiaridades, no que se refere à enfermidade acobertada pelo contrato. Registre-se que a indicação do medicamento sempre será prescrita por médico especialista, o qual detém o conhecimento técnico sobre os medicamentos a serem empregados no tratamento, não se justificando a recusa no seu fornecimento.
A questão, inclusive, já se encontra sumulada por alguns tribunais brasileiros, como é o caso do TJSP, que cunhou a seguinte diretriz: “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS” (Súmula 102).
Ainda: “Os Planos de Saúde apenas podem estabelecer para quais moléstias oferecerão cobertura, não cabendo a eles limitar o tipo de tratamento que será prescrito, incumbência essa que pertence ao profissional da medicina que assiste o paciente. Ademais, na maioria das vezes, o uso off label de um medicamento é essencialmente necessário e correto, dependendo tão-somente do entendimento do médico-assistente”[5].
Ou: “O fato de a medicação ser de uso off label não constitui óbice ao seu fornecimento pelo Plano de Saúde, pois cabe ao médico, e não à seguradora/operadora, indicar a opção adequada para o tratamento da doença que acomete o seu paciente[6]”.
De acordo com o entendimento jurisprudencial do C. STJ os Planos de Saúde não podem limitar os tratamentos a serem realizados, inclusive a utilização de medicamentos off label, quando prescritos de forma particularizada pelo médico-assistente, pelas circunstâncias da doença experimentada pelo paciente, e, em tratamento de enfermidades cobertas pelo plano contratado de acordo com o rol mínimo exigido pela Lei nº 9.656/98[7].
A jurisprudência nacional tem entendido que, quando há a cobertura de certa enfermidade em contrato de Plano de Saúde, este não possui liberalidade para avaliar se vai ou não fornecer determinado tratamento para a cura do paciente. A decisão cabe exclusivamente ao médico[8].
Ademais, evidente que não pode um catálogo de natureza administrativa contemplar todos os avanços da ciência, muito menos esgotar todas as moléstias e seus meios curativos usados com base científica.
Em suma, o bem maior a ser protegido é a vida do segurado, não podendo lhe ser negados direitos inerentes à personalidade, sendo certo que os tratamentos que se encontram inseridos na cobertura contratada não podem ser, de forma alguma, dissociados dos medicamentos utilizados para sua realização, sob pena de tornar inócua a cláusula que dá cobertura a determinadas terapias.
Assim, em conclusão, entende-se que os planos e seguros de saúde devem ser obrigados a custear as despesas decorrentes da importação de CBD e THC para uso medicinal. Diante da recusa, o ajuizamento de ações contra os Planos de Saúde se mostra viável.
[1] TJSP; EDcl 2136255-09.2015.8.26.0000; Ac. 8675618; São Carlos; Terceira Câmara de Direito Privado; Relª Desª Marcia Dalla Déa Barone; Julg. 17/09/2015; DJESP 08/10/2015
[2] AGRAVO DE INSTRUMENTO no 2053978-33.2015.8.26.0000 AGRAVANTES: YASMIM BARROS DA SILVA E IVONE BARROS DA SILVA AGRAVADO: SANTA HELENA ASSISTENCIA MEDICA S/A COMARCA: SÃO BERNARDO DO CAMPO VOTO 25864
[3] STJ; AgInt-AREsp 918.635; Proc. 2016/0134040-4; SP; Terceira Turma; Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze; DJE 22/02/2017
[4] TJDF; APL 2013.01.1.097007-8; Ac. 939666; Quarta Turma Cível; Rel. Des. James Eduardo Oliveira; DJDFTE 13/05/2016; Pág. 271
[5] TJMT; AI 107414/2016; Sinop; Rel. Des. Sebastião Barbosa Farias; Julg. 29/11/2016; DJMT 05/12/2016; Pág. 44
[6] TJDF; APC 2016.01.1.031399-7; Ac. 983.312; Oitava Turma Cível; Rel. Des. Diaulas Costa Ribeiro; Julg. 10/11/2016; DJDFTE 01/12/2016
[7] TJES; APL 0021233-66.2011.8.08.0035; Terceira Câmara Cível; Rel. Des. Telemaco Antunes de Abreu Filho; Julg. 01/11/2016; DJES 11/11/2016
[8] TJCE; APL 000370430.2010.8.06.0001; Sexta Câmara Cível; Relª Desª Maria Vilauba Fausto Lopes; DJCE 05/07/2016; Pág. 88